'Ainda estou aqui' nos lembra de tudo que não podemos esquecer
- Larissa Bordignon
- 27 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de nov. de 2024


Depois de duas décadas longe do cinema brasileiro, o diretor Walter Salles voltou e trouxe um dos maiores filmes sobre a ditadura militar da história. ‘Ainda estou aqui’ conta a história de Eunice Paiva, uma militante política brasileira, que foi uma das principais figuras de resistência do nosso país.
A história se passa em 1971, quando Emílio Médici era presidente. Após ter seu mandato de Deputado Federal do PCB cassado, Rubens Paiva precisou sair do país, fugindo da ditadura militar que assombrava o Brasil. Cinco anos depois, Rubens e a família voltam para o Rio de Janeiro e vivem uma vida um tanto quanto normal. Quando, de repente, a família Paiva é surpreendida por militares que levam o ex-deputado para o DOI-CODI. O filme começa a partir daí. Eunice perde seu marido para o regime autoritário da época e precisa seguir em frente, sem resquícios do paradeiro de Rubens. A trama mostra para os espectadores como a mãe lidou com o sofrimento, prisão e tortura, e, ainda assim, manteve sua estrutura familiar sólida.
‘Ainda estou aqui’ tem nuances que, por mais que sejam pequenas, trazem grandes significados. A cena mais comentada na internet é um grande exemplo disso, quando o fotógrafo diz que precisam de uma foto com semblantes tristes e a protagonista pede para que as crianças sorriam. O longa é cheio de pequenos detalhes que causam grandes impactos, principalmente nas cenas de Fernanda Torres.
A atriz foi brilhante durante toda a obra. Mesmo em cenas que tinham poucas falas, conseguimos entender os sentimentos de Eunice através das suas expressões e até do seu olhar vazio. Apesar disso, seus gestos e sua voz eram muito bem moderados, o que trouxe uma intensidade ainda maior para sua atuação. Com certeza, esse foi o maior papel de Fernanda Torres como atriz de drama.
Selton Mello também tem seu papel bem representado. Ainda que em poucas cenas do longa, o ator conseguiu trazer a dualidade de Rubens em sentimentos bons quando com a família e em tensões quando se tratava dos telefonemas que recebia.
O uso das cores também contribuiu para essa dualidade. Enquanto Rubens estava com a família, as cores eram claras e traziam uma sensação de leveza para quem assistia. Já durante as cenas mais tensas e as depois do sumiço do ex-deputado, as cenas tomaram um tom mais escuro, fazendo jus ao momento, trazendo tensão e sensação de incômodo ao público.
A ambientação também foi impecável. O olhar para figurinos, arquitetura da época e veículos fez o público realmente estar inserido na década de 70. Outra coisa que chamou muito a atenção dos espectadores mais detalhistas foi a trilha sonora da trama. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e toda a turma da tropicália (a sua maioria exilada durante o período em questão) entraram no cinema e tornaram a sensação de estar naquela época um pouco mais palpável. Queremos aqui dar um destaque para a construção da cena com a música ‘É preciso dar um jeito, meu amigo’, que mostra a família sendo genuinamente feliz momentos antes de tudo ser interrompido.
O filme perde a forma e a velocidade do meio para o fim. Começa a ser bem mais simples e bem menos agitado do que o começo. Conseguimos ver que essa ausência de rapidez e intensidade se dá ao fato do sumiço da figura fraterna da família. O sentimento de vazio ganha forma nas telas e deixa um certo incômodo no público.
Por fim, a já anunciada ‘surpresa’ aparece. A cena com Fernanda Montenegro, interpretando Eunice idosa e com Alzheimer, chama a atenção. Apesar da doença e da deterioração de suas memórias, Eunice vê uma notícia sobre a ditadura militar e a foto de Rubens pela televisão e se lembra de tudo o que viveu. Tudo isso sem a atriz mencionar nenhuma palavra. Podemos considerar que a cena relata que todas as marcas feitas pelo regime autoritário, de 1964 a 1985, jamais serão esquecidas.
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